um passeio pelo inusitado cotidiano do Centro de Salvador
texto Artur Soares
capa Gabriel Jones, Pedro Hassan e Reuel Nicandro
multimídia Arthur Stering
diagramação Vinicios Emanoel
audiodescrição Vanessa Jesus
Salvador sempre surpreende com sua variedade impressionante de experiências, mas nenhuma delas se compara ao caos sublime que é visitar o Centro. Tudo começa quando saímos da estação Lapa. Ao dar de cara com uma ladeira que parece não ter fim, você se depara com um local que aparenta ter saído direto de um livro de fantasia. O barulho, a confusão e a pressa coletiva são apenas algumas das características que formam o trajeto. Conforme se avança pelo Beco Diagonal soteropolitano, todo tipo de comércio pode ser visto. Independentemente da necessidade, há sempre alguém que pode resolvê-la. Um telefone quebrado, um sapato furado ou um controle sem pilha. Seja qual for seu problema, existirá alguém que possa vender uma solução.
Depois de conseguir avançar em meio a um mar de gente, surge um raio de sol que ilumina a entrada do Shopping Center Lapa, na praça da Piedade. No meio da pista, feirantes dividem espaço com os carros que a atravessam. Do outro lado da rua, fica a passagem que leva para a Avenida Sete de Setembro, local que reúne os mais pitorescos personagens. Ao lado do Relógio de São Pedro, um pastor prega ao ar livre para meia dúzia de fiéis. O homem de Deus divide o palco com o vendedor de suco, que conquista mais a atenção de quem precisa suportar o calor infernal de cada dia. Perto daquela disputa, lingeries são expostas não muito distantes de brinquedos, fazendo um contraste poético entre a diversão adulta e a infantil.

(Foto: Arthur Stering)

(Foto: Arthur Stering)

(Foto: Arthur Stering)

(Foto: Arthur Stering)
Passando em meio aos camelódromos, todos parecem estar com pressa, mas não há urgência suficiente que impeça o público de parar um pouco para ver os preços das roupas. Apenas ver. Depois de perguntar tudo que é possível para a atendente, a pessoa mente para si mesma que um dia irá levar aquela tão desejada peça. Os vendedores reclamam que a movimentação não é mais a mesma. Se no passado precisavam se preocupar apenas com os rivais nas ruas, hoje em dia a maior concorrência está na Internet. “Todo mundo só quer comprar nesse negócio de Shopee”, se queixa um comerciante que, apesar de não estar em seus melhores dias de vendas, continua com um sorriso no rosto.
Desviando de quem vem e seguindo quem vai, a agonia do cotidiano se mistura com a bagagem histórica de um local que existe desde as origens da cidade. Os muros do Mosteiro de São Bento se tornam tela para pichações políticas. No final da avenida, é possível ver de longe o monumento a Castro Alves. A praça nunca está vazia e, seja qual for o horário, sempre haverá alguém fazendo companhia ao poeta — embora ele nunca tenha reclamado da solidão. Em frente a estátua, o Cine Glauber Rocha se mantém como um dos últimos cinemas de rua da cidade e um símbolo da importância cultural que o Centro carrega. Apesar de alguns não concordarem, o prédio serve como uma espécie de portão para o Pelourinho, além de um lembrete de que a região não carrega mais a glória que um dia teve.

(Foto: Arthur Stering)

(Foto: Arthur Stering)
Qualquer um que passa tem uma explicação do porquê do lugar não ter mais a mesma áurea de antes. “A violência tá demais”, é a frase em comum entre todas as teorias. Dentre a lista de relatos, destaca-se o de um senhor que passava esbanjando felicidade. Ele se lembra com carinho da sua juventude, quando visitava o local para “consumir cultura”. As ruas, que hoje estão tomadas pelo comércio, um dia abrigaram muitos cinemas e teatros. O senhor cheio de alegria se entristece ao lembrar que, depois da pandemia da Covid-19, tudo parece ter piorado. Apesar disso, mesmo a Avenida Sete de Setembro sendo apenas um fantasma do que um dia já foi, ele continua visitando-a por pura tradição. Afinal de contas, por mais que não seja o mesmo, o Centro continua sendo uma verdadeira miríade de experiências.

Artur Soares
Esta crônica foi produzida por Artur Soares, estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e integrante do Programa de Educação Tutorial em Comunicação.
Fotografia: Airí Assunção e Lourdes Maria / Labfoto ©️ 2024
Assistência de Fotografia: Airí Assunção e Lourdes Maria / Labfoto ©️ 2024
Edição: Lourdes Maria e Airí Assunção / Labfoto ©️ 2024
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