o despertar do interesse científico pela astronomia na Bahia
texto Edson Barbosa e Júlia Naomi
capa Gabriel Jones, Pedro Hassan e Reuel Nicandro
multimídia Eylla Catarina
diagramação Gabriel Jones
aúdiodescrição Arthur Stering
O céu e a origem do universo despertam o interesse do homem desde a antiguidade. Diferentes civilizações ao redor do mundo lhes atribuem um caráter sobrenatural, associam-as a deuses e a seres celestiais. Alessandro Oliveira, 37, analista de sistemas, confirma essas crenças. “Eu tenho essas memórias muito fortes em mim. Minha avó falava que eu não podia contar as estrelas porque nascia verruga”, relembra com humor. Inspirado pelas observações celestes que fazia com a avó, Alessandro tornou-se um astrônomo amador e ajudou a construir uma rede de apoio para pessoas que compartilham deste hobby.
Juliano Amorim, 47, analista de sistemas, conheceu Alessandro no Curso de Extensão em Astronomia promovido pelo Instituto de Física da UFBA. Em 2017, junto a três amigos, formaram o Laboratório de Observação Celeste dos Astrônomos Amadores da Bahia (ASTROLAAB), que tem o objetivo de tornar a astronomia observacional acessível para o cidadão de Salvador e visitantes. A admiração de Juliano pelos astros também surgiu a partir de influências familiares. “Sou apaixonado por astronomia desde a infância. Vim de Vitória da Conquista/BA e minha família é muito ligada ao meio rural. Então, as primeiras memórias que eu tenho com meus pais são sempre no fim da tarde, apontando para o céu e conversando sobre as histórias dos nomes das constelações”, recorda Juliano.
Quando criança, Alessandro aprendeu a reconhecer algumas constelações com a avó. “Ela me apresentou um conjunto de estrelas que eu nunca mais vi ninguém chamando por esse nome, as ‘Estrelas de Umbu’. Hoje eu sei que são as Plêiades, um aglomerado estelar que faz parte da constelação de Touro”, conta. Existem inúmeras nomenclaturas populares para as projeções das estrelas vistas da Terra. Para padronizar os estudos, a União Astronômica Internacional (UAI) delimitou as 88 constelações oficiais, dividindo a abóbada celeste em regiões.

(Reprodução: Espaço do Conhecimento UFMG)
A principal atividade do Laboratório é o projeto Astronomia no Farol, que, a cada mês, monta uma praça de observação com telescópios e binóculos no Museu Náutico da Bahia, localizado no Farol da Barra. Aberto ao público, o evento reúne curiosos e entusiastas do estudo dos astros. O Laboratório também possui um grupo de Whatsapp em que os integrantes trocam informações e dicas para aprofundarem seus conhecimentos sobre a ciência.
APRENDENDO A OLHAR PARA O CÉU
Os astrônomos amadores contribuem significativamente para esta ciência. É o caso de Nicole Oliveira, única brasileira presente no Global Child Prodigy Awards 2022. Conhecida como Nicolinha, aos nove anos, já havia recebido uma medalha de honra ao mérito da Sociedade Brasileira de Astronomia por encontrar 31 asteroides. Fernando Munaretto, 50, presidente da Associação de Astrônomos Amadores da Bahia (AAAB), ressalta a importância desta forma de dedicação. “A astronomia em todo mundo é feita basicamente pelos amadores. Eles fazem grandes descobertas porque o céu é muito amplo, os profissionais sozinhos não dão conta”, explica.

(Reprodução: Jarbas Oliveira/AFP)
Alessandro Oliveira ressalta que não é necessário ter uma formação específica para se tornar astrônomo amador, mas, sim, interesse e dedicação aos estudos. Ele acrescenta que a diversidade do grupo é um exemplo claro disso. “Nós dois sermos da área de TI é só uma coincidência, mas no grupo a gente tem criança, estudante, aposentado, físico, químico, advogado. Enfim, é vasta a heterogeneidade que temos.” Nas noites de Astronomia no Farol, os organizadores promovem palestras sobre fenômenos astronômicos que ocorrem em datas próximas aos encontros. Os interessados em participar do evento se inscrevem em uma lista de presença disponível nas redes sociais do projeto, o que possibilita acesso gratuito ao Museu Náutico.
“o primeiro equipamento que você tem que usar quando começa a estudar astronomia é o olho”
alessandro oliveira
Os integrantes do ASTROLAAB reconhecem que se trata de um hobby caro, devido ao valor dos equipamentos. Juliano afirma que os preços dos telescópios dependem de seu objetivo e qualidade, podendo variar de R$ 600,00 para um refrator de 80mm, por exemplo, a mais de R$ 100 mil para aqueles com aberturas muito maiores. Mas antes de decidir desembolsar uma quantia de dinheiro para comprar um telescópio, é preciso aprender a observar o espaço. “O primeiro equipamento que você tem que usar quando começa a estudar astronomia é o olho”, diz Alessandro. “Não adianta você ter o melhor telescópio do mundo e não saber identificar uma constelação, um planeta ou uma nebulosa. Muita gente se frustra com a astronomia amadora por causa disso.”
Além de olhar para o céu, Juliano lembra que existem tecnologias que auxiliam no aprendizado. “Hoje tem uma infinidade de aplicativos pro celular que simulam o céu noturno. A gente consegue ver praticamente todas as coisas que vemos com um telescópio ou um binóculo, só que não é ao vivo, é uma imagem construída.” Depois de estudar e praticar, os membros do ASTROLAAB recomendam adquirir um binóculo astronômico. Essa ferramenta permite que o iniciante consiga identificar o que gosta de observar antes de comprar telescópios especializados.

(Foto: Eylla Catarina)

Fernando Munaretto, presidente da AAAB, menciona o Programa Caça Asteroides, parceria entre o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações com o International Astronomical Search Collaboration (IASC/NASA Partner). “Esse é um projeto muito interessante, porque pode envolver a criançada. Você forma uma equipe, se inscreve e recebe pacotes de imagens que vão ser distribuídas entre os integrantes. Quanto mais você analisa, mais chances você tem de detectar pequenos corpos, como asteroides”, explica.
Fernando conta que Nicolinha, por exemplo, começou a identificar asteroides neste projeto, presente em mais de 80 países. As imagens fornecidas aos participantes são captadas por um telescópio pertencente à Universidade do Havaí. “No ano passado, a Associação participou. Três associados encontraram asteroides e nós fomos medalhistas. Então é uma forma muito interessante de envolver o maior número de pessoas numa ação científica”, continua Munaretto.
ALFABETIZAÇÃO ASTRONÔMICA
De acordo com o Censo da Educação Superior, entre os anos de 2010 e 2019, apenas 103 brasileiros se formaram em Astronomia, o que evidencia a carência da área no território nacional. No Brasil, existem apenas três cursos de graduação em astronomia, localizados nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe. Esta formação tem uma grande importância para o avanço de descobertas espaciais. Para suprir a necessidade de grupos dedicados a esta ciência, a AAAB foi fundada em 14 de março de 1974 por professores da Escola Politécnica da UFBA.
Em 2008, a Associação iniciou um período de menor atuação e assim permaneceu até julho de 2021. Com o apoio do advogado Francisco Lacerda, 62, o grupo retomou suas atividades para auxiliar na administração do Planetário da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o primeiro de Salvador. Fruto do desejo de que mais pessoas criassem interesse pela astronomia e pela ciência, o Planetário, inaugurado em 22 de março de 2024, é resultado de uma doação feita por Lacerda. “Esse é um planetário que tem um observatório astronômico que funciona todos os dias. Eventualmente, um aluno da universidade pode iniciar uma pesquisa com essas observações em nossos telescópios”, explica.
“as vezes eu vejo um menino vendendo balinha e penso que ele poderia ser um astrônomo melhor que eu se tivesse tido oportnidade”
alberto betzler
Alberto Betzler, 51, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e único astrônomo profissional da AAAB, reflete sobre a desigualdade social, que afasta as chances de carreira para as classes sociais mais baixas. “Eu fico olhando a rua enquanto dirijo. Às vezes eu vejo um menino vendendo balinha e penso que ele poderia ser um astrônomo melhor que eu se tivesse tido oportunidade.”
Segundo o Instituto Semesp, na 11ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, em 2021, apenas 18,1% dos jovens entre 18 a 24 anos estavam cursando o ensino superior. Dada a realidade educacional do país, a existência de poucos cursos de graduação em astronomia limita ainda mais o surgimento de novos pesquisadores. “Existe o curso de graduação em astronomia em Sergipe, mas aí o menino daqui [da Bahia] vai para lá? Às vezes, por questão econômica, tem dificuldade para se manter [no curso]”, afirma Alberto.

(Foto: Eylla Catarina)

(Foto: Eylla Catarina)


O astrônomo cita que o incentivo à ciência na sua criação foi potencializado pelo contato com museus e observatórios no Rio de Janeiro. Ele reforça a importância disso para seu despertar como pesquisador. “Eu costumo dizer que a minha alfabetização científica aconteceu no Museu Nacional. Eu adorava ir na sessão de meteoritos. Na entrada do Museu tem o Bendegó, que foi levado aqui da Bahia para lá. Eu ficava alisando ele, achando aquilo maravilhoso”. O astrônomo complementa que instituições científicas como o Museu da Astronomia e o Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também fizeram parte da sua formação, em meio a um polo de desenvolvimento da astronomia no Brasil.
“o que a gente mostra não é ficcção centífica, é tudo realidade”
césar orrico
Em Salvador, a população está descobrindo uma nova faceta da ciência, e a prova disso é o esgotamento das sessões do planetário. Segundo César Orrico, 71, matemático, consultor científico do projeto e fundador do Planetário de Feira de Santana, são em média 4.340 pessoas na disputa por 85 lugares no planetário da capital. Por conta do fluxo elevado, os estagiários do local, que são estudantes de diversos cursos da UFBA, revezam suas funções nos três turnos do dia. Para fins didáticos, escolas públicas e privadas entram em contato para aulas experimentais. “As escolas notaram que isso [aula no planetário] é um jeito de ensinar o aluno da forma mais simples possível. O que a gente mostra não é ficção científica, é tudo realidade”, afirma o professor aposentado da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Orrico acredita que o observatório pode ajudar os jovens a acharem a ambição pela área científica. “Hoje a gente tem astrofísico, cosmólogo e astrônomo. Essas pessoas despertaram na juventude o que querem ser na vida. O planetário é o recurso mais poderoso que existe para despertar isso.” Para Alberto, a astronomia tem o poder de encantar as pessoas. Além disso, esse equipamento gratuito impacta a percepção da ciência na vida da população e faz com que a astronomia seja perpetuada para além da universidade.

Júlia Naomi e Edson Barbosa
Essa reportagem foi produzida por Júlia Naomi e Edson Barbosa, estudantes de Jornalismo e Produção em Comunicação e Cultura da Universidade Federal da Bahia e integrantes do Programa de Educação Tutorial em Comunicação.
Fotografia: Airí Assunção e Lourdes Maria / Labfoto ©️ 2024
Assistência de Fotografia: Airí Assunção e Lourdes Maria / Labfoto ©️ 2024
Edição: Lourdes Maria e Airí Assunção / Labfoto ©️ 2024
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